DEU ENTRADA, EM 31 DE
OUTUBRO ÚLTIMO, NA ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA PORTUGUESA O PEDIDO DE REABILITAÇÃO
DO CAPITÃO BARROS BASTO
Exm.ª Senhora
Presidente da Assembleia da República
Assunto: Pedido de reintegração no Exército do capitão de
infantaria Arthur Carlos Barros Basto, que foi alvo de segregação
político-religiosa no ano de 1937.
A presente petição tem como fundamento a violação grave de
direitos humanos e a afectação intolerável do núcleo duro dos direitos
fundamentais materialmente protegidos pela Constituição da República
Portuguesa, pelo que se requer a intervenção da Comissão Parlamentar de
Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias. Tudo nos termos e
pelas razões seguintes:
1. Numa época em que campeava o antissemitismo pela Europa e
em que se preparava o encaminhamento de milhões de seres humanos como reses a
caminho do matadouro, em Portugal, um oficial do Exército, Arthur Carlos Barros
Basto, foi sancionado por ser judeu e praticante da religião judaica.
2. Com efeito, em 12 de Junho de 1937, no processo de
natureza disciplinar n.º 6/1937, o Conselho Superior de Disciplina do Exército
(um órgão próprio de um regime de poder pessoal) deu como provado que Arthur
Carlos Barros Basto «realizava a operação da circuncisão a vários alunos [do
Instituto Teológico Israelita do Porto] segundo um preceito da religião
israelita que professa», e que «tomava para com os alunos atitudes de interesse
e intimidade exageradas, beijando-os e acarinhando-os frequentemente» (à imagem
dos judeus sefarditas de Tânger, onde o visado se converteu ao judaísmo) - cfr.
Documento n.º 1
3. À luz destes factos provados, o Conselho Superior de
Disciplina do Exército considerou que Arthur Carlos Barros Basto não possuía
«capacidade moral» para prestígio da sua função e decoro da sua farda, pelo que
o puniu com a «separação de serviço» prevista no artigo 178.º do Regulamento de
Disciplina Militar, publicado pelo Decreto 16:963, de 15 de Junho de 1929.
4. A «separação de serviço» constituiu para Arthur Carlos Barros
Basto (o oficial e o judeu) uma verdadeira pena de morte civil. O visado foi
afastado definitivamente das suas funções; foi impedido definitivamente de
progredir na carreira; foi proibido definitivamente de usar uniformes,
distintivos e insígnias militares; e foi obrigado a manter-se para sempre
subordinado à acção disciplinar do Exército (ou seja, foi forçado a manter a
sua vida civil e a sua prática religiosa para sempre modeladas por regras
militares absolutamente hostis aos preceitos judaicos mais elementares), sob
pena de voltar a ser julgado, sob pena de voltar a ser condenado!
5. Os factos que o Conselho Superior de Disciplina do
Exército considerou «provados» (e que determinaram a «incapacidade moral» e a
consequente «separação do serviço» do militar judeu Arthur Carlos Barros Basto)
enquadram-se a todas as luzes no exercício de direitos universalmente
reconhecidos a todos os homens e que já existiam antes de haverem sido
“proclamados”.
6. Acresce que a decisão do Conselho Superior de Disciplina
do Exército – em tudo contrastante com a normação Dinim que promana da tradição
primordial – impede quem quer que seja de entender como alcançaram os
julgadores o grau de certeza que é suposto terem conseguido em relação aos
factos que consideraram provados.
Trata-se de uma decisão que não tem uma linha de
fundamentação, que não procede ao exame crítico dos meios de prova que foram
considerados e desconsiderados, e que chega ao cúmulo de censurar Arthur Carlos
Barros Basto por não ter espancado quem o denunciou.
7. O 25 de Abril pode ter reparado muitas injustiças do
passado, mas pelo menos um homem ficou esquecido. Ficou esquecido Arthur Carlos
Barros Basto. Ficou esquecido o judeu.
Lea Montero Azancot Barros Basto (viúva de Arthur Carlos
Barros Basto) apresentou, no ano de 1975, um pedido de reintegração do falecido
marido no Exército, mas obteve uma resposta negativa por parte do Estado-Maior
General das Forças Armadas, que, a respeito da decisão de 1937, e de modo
inacreditável, CONFUNDIU os factos «não provados por unanimidade» com os factos
«provados», e anexou à ilegalidade anteriormente cometida outra mais
escandalosa. - cfr. Documentos n.ºs 2 e 3
Nesta confluência,
Vem a signatária requerer à Assembleia da República que
proceda à reintegração nas fileiras do Exército do senhor seu avô, Arthur
Carlos Barros Basto, tendo por espeque norteador (muito para além do
Decreto-Lei n.º 173/74, de 26 de Abril, aplicável ao caso por força do
argumento a maiori, ad minus) o dever moral e imprescritível do Estado de
reparar uma violação tão grave da Lei consuetudinária internacional. Adonai li
velo irá.
Juntam: Procuração e três documentos
Isabel Maria de Barros
Teixeira da Silva Ferreira Lopes
(neta de Arthur Carlos Barros Basto)
(advogado)
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